Introdução
A APF tem desenvolvido intervenção na área do trabalho sexual desde 1998, primeiro com o Espaço Pessoa com a APF Norte e mais recentemente com projetos na APFAlgarve, APF Lisboa e APF Alentejo. Desta forma a APF tem vindo a estruturar a sua posição em torno do respeito pelas escolhas – posição essa que, apesar de nunca ter sido previamente concertada, tem revelado bastante coerência interna. De resto, esta posição além de não ter sido formalmente redigida, também não tem sido afirmada publicamente.
Associações parceiras – que em muitos outros temas lutam ao lado da APF pelas mesmas mudanças sociais (como por exemplo a Lei da IVG) – em relação ao trabalho sexual têm uma posição oposta àquela que a APF tem fundamentado. Este facto demonstra a necessidade de ser esclarecida a posição da APF e assim assumir a discussão política que dai advém, tal como fazem outras associações congéneres.
Apesar de integrar a Rede sobre Trabalho Sexual [1] desde 2011, a APF não subscreveu até ao momento qualquer manifesto por não existir uma definição clara sobre qual a sua posição.
É por isso urgente que a APF desenvolva internamente o debate para decidir o seu posicionamento, e com isso o possa tornar público. Esta capacidade de afirmação tem sido frequentemente requisitada junto de parceiros e também junto de poderes políticos e agentes sociais.
Posição
A APF entende que o trabalho sexual é uma atividade de prestação de serviços sexuais, a troco de bens ou serviços, realizados por pessoas adultas e, de forma informada e consensual. Todas as outras situações de atividade sexual comercial constituem situações de abuso e atentado contra a autodeterminação sexual. Em exemplo, não poderá ser comparado à realidade do tráfico de pessoas, na medida em que o trabalho sexual envolve uma escolha [2] e o tráfico uma privação da liberdade, sendo este considerado um crime de violação dos direitos humanos.
A APF reconhece a existência de diversas causas e motivações que levam homens, mulheres e pessoas transgéneros a envolver-se no trabalho sexual. Embora se assinale a existência de situações de vitimação e/ou opressão, o trabalho sexual não se reduz, exclusivamente, a esta realidade. Reconhece-se a existência de situações em que as pessoas, fazendo uma escolha livre e informada, optam por prestar ou realizar comercialmente serviços e/ou realizar atividades de cariz sexual.
Assim, encarar estas pessoas como sendo vítimas e, por isso, sem agência e/ou sem capacidade para decidir sobre as suas práticas sexuais ou sexualizadas, atenta contra a sua dignidade e contra os seus direitos sexuais. Tal perspetiva desempoderadora alimenta o estigma social, contribuindo para criar obstáculos ao exercício dos direitos sexuais e reprodutivos das pessoas que realizam trabalho sexual, restringindo, na prática, a sua liberdade e direito à autodeterminação.
Reconhecendo a diversidade de percursos de vida, sensibilidades, aspirações e opções, a APF defende a existência de respostas que garantam toda a informação e apoio às pessoas que decidam abandonar o trabalho sexual, bem como às que decidam começar ou continuar a realizá-lo, em qualquer das suas múltiplas possibilidades de atividade [3].
Reconhecendo ainda que “todas as pessoas, incluindo profissionais do sexo de todos os géneros […] têm o direito de estarem livres do risco de violência criado pelo estigma e discriminação com base no seu sexo, género ou sexualidade” [4] a APF não subscreve quaisquer iniciativas que penalizem relações ou práticas sexuais consensuais e/ou que contribuam para estigmatização, marginalização, exclusão, isolamento ou dificultação do acesso ao exercício de direitos das pessoas que realizam trabalho sexual, das pessoas que consomem bens ou serviços desse trabalho ou de pessoas que prestem serviços em atividades conexas (incluindo, entre outras, o alojamento, a publicidade, ou a redução de riscos e minimização de danos).
A própria IPPF refere que “nenhuma pessoa deve ser submetida a leis que arbitrariamente criminalizem relações ou práticas sexuais consensuais (…)” [5]. Por tal, a APF condena todas as formas de abuso e atentado contra a autodeterminação sexual, e defende a implementação de medidas que garantam os direitos sexuais e reprodutivos de todas as pessoas, incluindo das pessoas que realizam trabalho sexual, e que contribuam para a melhoria das suas condições de trabalho, de segurança pessoal, de proteção contra a violência e de não discriminação.
A Direção Nacional da APF
Lisboa, 12 de Julho de 2014
[1] Rede Nacional de instituições e pessoas particulares que lutam pelo reconhecimento e dignificação do trabalho sexual em Portugal.
[2] Nesta escolha está também presente a possibilidade de rejeição de clientes ou serviços sexuais. Não é assumida a aceitação indiscriminada pelas pessoas trabalhadoras do sexo de todas as transações propostas – essa aceitação indicaria a presença de coação.
[3] Desempenhados em contextos de rua, apartamentos privados, casas de massagens, espaços de diversão nocturna e/ou casas de alterne, hotéis, apartamentos privados, casas de massagens, agências de telefonemas eróticos, indústria pornográfica, webcam, entre outros.
[4] Direitos Sexuais – Uma Declaração da IPPF (2008), artigo 3º]
[5] Artigo 5 “Direito à autonomia e reconhecimento perante a lei”.