Seniores

De acordo com Allen (1985) e Vilar (2003), até época recente, o modelo social dominante de valores e atitudes sobre a sexualidade era o “Modelo Reprodutivo”, o qual legitimava a vida sexual somente às funções reprodutivas, as quais só eram aceitáveis no contexto matrimonial. Os comportamentos sexuais não reprodutivos não eram moralmente aceitáveis e respeitados. E, porque as pessoas idosas já não estavam em idade reprodutiva (mesmo que os homens fossem férteis ao longo de toda a vida), a sexualidade, e especialmente a sexualidade feminina, era ignorada, escondida ou desrespeitada (Pereira 2010; Sanchez and Ulátia, 1998; Steinke, 1996).

O avanço do estudo da sexualidade humana, os debates públicos e os movimentos sociais em torno da sexualidade e dos direitos sexuais fizeram com que esta forma de entender a sexualidade fosse substituída por um novo modelo – um modelo recreativo e permissivo (Allen, 1985, Giddens, 2001; Cabral e Ferreira, 2010) e, neste novo contexto social e cultural, a vida sexual das pessoas idosas tem sido mais aceite e reconhecida. Nas últimas duas décadas, o aparecimento de novos medicamentos de prevenção da disfunção eréctil, contribuíram também para este novo entendimento.

A sexualidade das pessoas idosas tem especificidades relacionadas com os processos biológicos e psicossociais do envelhecimento humano (Morley, 2006; Cardoso, 2004; Lima, 2006). No entanto, os estudos existentes mostraram que as pessoas idosas continuam a ter sentimentos de natureza sexual, e uma parte significativa destas pessoas continuam a estar envolvidas em atividades sexuais, incluindo a prática de relações sexuais (Hillman, 2012; Lindau, 2010; Valente, 2008; Lima, 2006; Vasconcelos, Novo et Al, 2004; Cardoso, 2004; Catarino, 1999; Masters and Johnson, 1988).

No entanto, e apesar destas mudanças nas normas sociais e nas atitudes sobre a sexualidade, o modelo tradicional tem ainda muito peso entre as pessoas idosas.

Muitas vezes, os idosos viveram uma parte significativa das suas vidas em épocas em que o modelo reprodutivo era dominante, interiorizando estes valores e avaliando os seus desejos e sentimentos sexuais como não naturais e não saudáveis. Os problemas de saúde física e mental mais frequentes nestas fases da vida reforçam também estas representações negativas sobre a vida sexual (Hillman, 2012; Pereira, 2011; Cardoso, 2004).

Frequentemente (Sung, 2012; Lopez &Fuertes, 1989; Sanchez and Ulátia, 1998), as pessoas idosas têm também de enfrentar as atitudes negativas dos outros e isto é ainda mais claro quando vivem em instituições. Pereira (2011) refere as incapacidades físicas que dificultam a autonomia, o isolamento geográfico, as limitações nas redes de relacionamento social, as críticas de outros residentes e os estereótipos de género como fatores que afetam negativamente a sexualidade dos idosos residentes em instituições.

Também os profissionais que trabalham em instituições ou em serviços dirigidos a idosos têm dificuldades para lidar com a sexualidade deste grupo. Pereira, 2011; Sung, 2011; Vasconcelos, Novo et Al, 2004, Wiley and Borz, 1996). Gott, Hinchliff & Galena, 2004 (referidos por Vasconcelos, Novo et al, 2004) observaram que a maioria dos médicos de família evita abordar as questões da vida sexual com utentes com mais de 50 anos. Garcia (2010), num estudo com assistentes sociais da região de Lisboa, refere também atitudes diversas e ambivalentes nas práticas profissionais face à sexualidade dos idosos, nomeadamente em programas de prevenção do VIH/SIDA.

No entanto, em Portugal algumas iniciativas foram feitas no sentido de a sexualidade das pessoas idosas ser tomada em consideração, nas políticas e respostas sociais, e nas práticas profissionais. Dois documentos oficiais abordaram este assunto: os manuais de qualidade das respostas sociais do ISS abordaram a questão da necessidade de ser preservada a intimidade dos idosos (ISS, 2008). Isto inclui a satisfação das pessoas nas suas relações afetivas, amorosas e sexuais. Este manual afirma que a promoção da qualidade de vida das pessoas idosas deve integrar a sua sexualidade e intimidade.

O Manual de Boas Práticas desenvolvido por um grupo de trabalho, o CID, afirma também que a privacidade e intimidade são direitos dos clientes e que “o direito à vida afetiva, social e sexual fazem parte da qualidade de vida e não devem ser desrespeitados. A instituição deve criar condições para que os residentes possam viver estas dimensões naturais e saudáveis das suas vidas” (CID, 2005: 29).

No entanto, as práticas de muitas instituições e profissionais estão longe do que se afirma neste documento, seja porque muitas instituições têm dificuldades e limites nas suas instalações – muitas vezes os residentes não têm quartos individuais ou condições de privacidade, seja porque muitos profissionais não receberam qualquer formação nestes temas, tendo adicionalmente níveis de escolaridade muito baixos (Pereira, 2011).

Em consequência, muitos idosos têm de esconder os seus relacionamentos e comportamentos sexuais, numa espécie de retorno às situações típicas dos adolescentes, e têm sentimentos de culpa e vergonha por desejarem e sentirem prazer em expressar a sua sexualidade (Pereira, 2011).

Outra consequência é a de que, porque a sexualidade dos idosos é ignorada, também não são organizados programas e atividades preventivas e um número crescente de idosos é infetado pelo VIH/SIDA e outras Infeções Sexualmente Transmissíveis (Garcia, 2010).

Neste contexto, o filme “No Meu Tempo” é um instrumento que pode ser utilizado em atividades educativas com idosos, e na formação dos profissionais que com eles e elas interagem.

Princípios e objetivos de intervenção

Segundo Félix Lopez (2012) a intervenção profissional sobre a sexualidade e as relações afetivas dos idosos devem pautar-se por um conjunto de pressupostos básicos.

Em primeiro lugar, a vida das pessoas idosas (tal como noutras fases da vida) é muito diversa. As intervenções nunca devem, portanto, ser prescritivas. Pelo contrário, a intervenção profissional deve promover a capacidade de cada pessoa escolher o que quer, ou não quer, fazer, aquilo em que quer, ou não quer, envolver-se.

De facto, manter a atividade sexual é saudável, mas a atividade sexual não é uma condição necessária para a saúde. Assim, podem existir relações de casais satisfatórias ao longo de toda a vida, com e sem relações sexuais. Por outro lado, as relações de casal não são o único contexto ou alternativa para se alcançar um certo grau de bem-estar.

Por isso “…escutar as pessoas idosas, conhecer a sua biografia e respeitar as suas decisões, a não ser que sejam autodestrutivas ou lesivas para outros, é essencial” (Lopez, 2012: 174).

Neste contexto, a intervenção profissional sobre a sexualidade dos idosos deve (Lopez, 2012: 174):

  • Oferecer conhecimentos bem fundados, e desconstruir as falsas crenças, e os velhos e novos mitos sobre a sexualidade;
  • Ajudar (as pessoas idosas) a ter uma atitude positiva face à dimensão sexual humana, de forma que as suas decisões não se baseiem em fobias, medos ou na sua história de repressão sexual;
  • Se nos pedirem ajuda, avaliar as possibilidades e limitações da sua vida sexual e amorosa, para que possam tomar decisões com maior conhecimento e liberdade;
  • Oferecer ajudas concretas educativas e terapêuticas, farmacológicas ou sociais, para viver a vida sexual e amorosa que possam e queiram ter.

Como objetivos de educação sexual sobre a velhice, este autor propõe (Lopez, 2012: 190):

  • Erradicar as falsas crenças, das pessoas idosas, filhos e profissionais, e das pessoas em geral, sobre a sexualidade na velhice, sendo fundamental analisar os erros e o sentido moral repressivo que a elas subjaz;
  • Conseguir que adquiram conhecimentos básicos, que permitam conhecer-se melhor e serem mais livres nas suas decisões. A anatomia e fisiologia da sexualidade, assim como as mudanças básicas associadas à idade, os afetos sexuais (desejo, atração e enamoramento) e sociais (vinculação, amizade e sistema de cuidados), os efeitos das doenças e dos medicamentos na sexualidade, as práticas sexuais possíveis, integram estes conteúdos básicos;
  • Assumir uma nova visão da sexualidade, que não seja limitada ao coito, à função procriadora, ao casamento, à heterossexualidade e aos homens… esta visão está associada a uma atitude positiva face à sexualidade, a qual permite que a pessoa seja mais livre, sem se ver obrigada ou pressionada quer a reprimir-se, quer a manter atividades sexuais;
  • Remover as dificuldades sociais que limitam a liberdade das pessoas idosas neste campo: resistências e medos dos filhos e dos profissionais, barreiras institucionais nas famílias, nas residências e na sociedade em geral, superando a discriminação das mulheres;
  • Proporcionar alternativas para que as pessoas idosas saiam de eventuais situações de solidão emocional, social ou amorosa-sexual, caso elas existam, e caso assim o desejem as pessoas idosas.

Referências

  • André Catarino et al., (1999). Pós-menopausa e Sexualidade. Acta Portuguesa de Sexologia, vol 2 (1):39-46
  • Cardoso, J. (2004) Sexualidade e envelhecimento, Sexualidade e Planeamento Familiar nº38/39, 7-13
  • Garcia, A.P. (2010) A Prevenção da SIDA nos Idosos: Aproximação à Intervenção do Serviço Social – o Caso do Concelho de Cascais, Dissertação de Mestrado disponível na Mediateca da ULHT
  • Giddens, A.(1996) As transformações da Intimidade. Sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas, Oeiras, Celta
  • Grupo de Coordenação do Plano de Auditoria Social – CID (2205) Manual de Boas Práticas, Lisboa, ISS
  • Hilman, J. (2012) Sexuality and Aging – Clinical Perspectives, New York, Springer
  • Lima, M.P. (2006) A sexualidade da terceira na Terceira Idade, Psychologia nº41, 83-101Morley, J. (2006) Sexuality and Aging, Principles and Practice of Geriatric Medicine, 4th Edition, Wlyley On line Library
  • Lindau, S.T., Gravilova, N. (2010) Sex, Health and years of sexually active life gained to good helath: evidence from two population based cross sectional surveys of aging, BMJ
  • Lopez, F. e Fuertes, A. (1989) Para Compreender a Sexualidade, Lisboa, APF
  • Masters, W. H. , Johnson, V. E. (1988) As Reacções Sexuais, Lisboa, Editora Meridiano
  • Ministério da Educação et Al (2000) Educação Sexual em Meio Escolar – Linhas Orientadoras, Lisboa, ME
  • Pereira, A.R. (2010) A Sexualidade na terceira idade: perspectiva do idoso institucionalizado, Dissertação de Mestrado disponível na Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa
  • Rodrigues, P. et al (2008) Envelhecimento, sexualidade e qualidade de vida: revisão da literatura, Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento, Vol.13, nº2, 205-219
  • Sanchez, Félix, L. (2005) La Educación Sexual, Madrid, Biblioteca Nueva
  • Sanchez, Félix L. (2012) Sexualidad y Afectos en la Vejez. Madrid, Pirâmide
  • Sanchez, F., Ulátia, J. ((1998) Sexualidade en la Vejez, Madrid, Pirâmide
  • Steinke, e. (1997) Sexuality in Aging: implications for mursing facility satjj, The jornal of Continuing Education in nursing, 39-6
  • Sung, J. (2012) Sex and Aging: The Social Stigma, The Triple Helix Online – a Global Forum for Science in Society
  • Vasconcelos, D. et Al (2004) A sexualidade no processo de envelhecimento: novas perspectivas – comparação transcultural, Estudos de Psicologia 9(3), 413-419
  • Valente, R. (2008) Estudo Sociológico sobre Sexualidade na Terceira idade, Actas VI COngresso Português de Sociologia
  • Vaz, Júlio M. et al (1993) A Educação Sexual na Escola, Lisboa, Universidade Aberta
  • Villaverde Cabral, M., Ferreira, P. (org) (2010) ) Sexualidades em Portugal, Lisboa, Bizancio
  • Vilar, D. (2003) Falar Disso, Porto, Afrontamento
  • Vilar, D. (2010) Desempenho Sexual – satisfação e problemas, in Villaverde Cabral, M. e Ferreira, P.M. (org) (2010) Sexualidades em Portugal, Lisboa, Bizancio
  • WHO e BzGA (2010) Standards for Sexuality Education in Europe, Colónia, BzGA
  • Wiley, D., Bortz, W II (1996) Sexuality and Aging – usual and Successful, Journal of Gerontoly, Vol.51A, No3, 142-146
  • Recensão do livro “Sexualidad y afectos en la vejez”, de Felix Lopez, por Duarte Vilar (Sociólogo, Diretor Executivo da APF), publicado no n.º 4 da Revista Saúde Reprodutiva, Sexualidade e Sociedade, APF, 2014
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