História
APF: desde 1966...
… a contribuir para os Direitos Humanos
A APF é, desde a sua criação, um espaço pluralista de exercício da cidadania, onde passaram e continuam a passar centenas de cidadãos e cidadãs, de proveniências profissionais, políticas, ideológicas e religiosas muito diversas, animados pelos ideais que enformam a APF e estão expressos na sua missão.
Desde a sua criação, a APF passou por diversos contextos históricos, e pelas mudanças sociais que se operaram na sociedade portuguesa, com todos os seus sucessos e insucessos. Partindo de um problema e de uma proposta específicas, a APF foi capaz de ir percebendo estas mudanças, foi capaz de identificar novos problemas e áreas de necessidade, e foi reformulando as suas prioridades de ação ao nível dos direitos humanos, sempre numa perspetiva inovadora, pioneira e, por isso mesmo, muitas vezes controversa.
Em todas estas atividades, ligadas à promoção dos direitos, a APF seguiu uma matriz própria. A APF não só se limitou a exigir direitos, mas estudou os problemas que lhes subjazem e contribuiu, desta forma, para um melhor conhecimento da realidade social portuguesa e dos seus problemas.
Ao promover os debates públicos sobre os seus temas de trabalho, a APF procurou sempre realizá-los de forma abrangente e alargada. E, uma vez alcançadas as mudanças legislativas, a APF contribuiu para a sua implementação desencadeando experiências inovadoras e contribuindo para a sua avaliação.
1966-1976 A criação da APF
A criação da APF e o nascimento do planeamento familiar em Portugal
A APF surge em 1967 para promover o planeamento familiar em Portugal. Embora tenham decorrido em 1966 as primeiras reuniões para a criação da APF, a sua criação formal está registada no Diário do Governo de 17 de Agosto de 1967.
A fundação e atuação da APF na década de 60 e nos primeiros anos da democracia foram essenciais para estabelecer o direito ao planeamento familiar e, através do exercício deste direito, para a criação de serviços de saúde e afirmação do direito à informação e educação nestas matérias.
O grupo fundador
Do grupo inicial de fundadores fizeram parte nomes como os dos médicos Manuel Neves e Castro, e Miller Guerra e mais tarde Albino Aroso e Manuela Lanhoso, no Porto, Idália Correia e Ana Brás Maria, a economista Manuela Silva, a escritora e jornalista Helena Marques, na Madeira, as enfermeiras Louise Cunha Teles e Fátima Correia ou a psicóloga Graça Mexia. Ou seja, o grupo de fundadores da APF integra setores ligados ao catolicismo progressista dos anos 60, elementos ligados à chamada Ala Liberal, mas também outros ligados a movimentos de oposição ao regime. Por opção do grupo fundador, integravam também a APF vários casais, uma vez que, na época, o planeamento familiar era um conceito estritamente ligado às famílias constituídas.
O planeamento familiar como resposta aos problemas e necessidades em saúde materna e infantil
Em 1967, Portugal tinha muito maus indicadores de saúde materna e infantil, com elevados níveis de pobreza, e um recurso alargado ao aborto clandestino como forma de os casais limitarem a dimensão das suas famílias. A mortalidade infantil situava-se nos 59,2/1.000. A mortalidade materna era de 84,6/100.000 (quase uma mulher em cada mil). Uma parte significativa destas mortes era causada por complicações de abortos clandestinos. A contraceção era muito pouco conhecida e ainda menos usada. Os serviços de saúde existentes não tinham quaisquer serviços ou consultas de planeamento familiar.
Recordamos também que o país era dirigido por uma ditadura conservadora e completamente avessa à contraceção que, por lei de 1942, era totalmente proibida. No entanto, a pílula contracetiva era já comercializada em Portugal, mas, supostamente, era-o para fins de regulação do ciclo menstrual.
Ao nível internacional, os movimentos de planeamento familiar estavam em franco desenvolvimento quer na Europa quer noutras partes do mundo, procurando ainda legalizar e afirmar o acesso à contraceção que, à semelhança de Portugal, era ilegal em países como os EUA ou a França. Por outro lado, assistia-se no seio da Igreja Católica, e no contexto do Concílio Vaticano II, a um aceso debate sobre a contraceção moderna.
Um ato de cidadania
Neste contexto sociocultural e político, a criação da APF é pois, em si mesma, um ato de cidadania e um marco da luta pela liberdade de expressão e associação em Portugal. Por outro lado, no contexto social em que nasceu, a APF enquadra-se na luta pelo direito à saúde e pelo usufruto dos benefícios científicos pela população portuguesa.
As prioridades e trabalho inicial da APF
A APF teve como primeiras prioridades a promoção do debate público sobre o planeamento familiar, a educação da população nestes temas, e a organização de consultas de planeamento familiar nos hospitais e nos dispensários do então Instituto Maternal, integrado em 1970 na Direção Geral da Saúde. A APF criou, na sua própria sede em Lisboa, a primeira consulta social de planeamento familiar.
Para além do grupo ativista de Lisboa, a APF criou delegações regionais no Porto e na Madeira. Promoveu debates públicos, nomeadamente um colóquio com o teólogo holandês Sporken ou o famoso demógrafo Alfred Sauvy. Responde a pedidos de entrevistas da imprensa, como o jornal Diário de Lisboa, mas também do recém-criado semanário Expresso e da revista Flama e tenta organizar, sem êxito, um programa na RTP, que foi totalmente censurado.
A APF realiza também os primeiros cursos de formação para enfermeiras e os seus médicos criam consultas de planeamento familiar nos hospitais onde trabalham. A APF encontra-se assim associada ao nascimento das consultas de planeamento familiar do Hospital de Santo António, no Porto, pela mão de Albino Aroso, e da Maternidade Magalhães Coutinho, em Lisboa, dinamizada pela médica Idália Correia.
Fotografia © Centro Hospitalar do Porto
A direção da APF estabelece contatos com responsáveis dos serviços de saúde, como Purificação Araújo e Rosália Ferreira, ambas ginecologistas e defensoras do planeamento familiar, para apoiar a criação de programas e consultas de planeamento familiar. Estas médicas irão mais tarde integrar os órgãos sociais da APF.
A reação do regime ao trabalho da APF
O contexto político existente é fortemente limitativo da atividade pública da APF e as reações à sua atividade por parte do regime político vigente são inevitáveis: a APF é formal e publicamente advertida pelo Cardeal Patriarca a não defender e promover o uso da pílula contracetiva; como manobra de intimidação, as contas bancárias da APF são temporariamente bloqueadas pelo Governo.
O 25 de Abril de 1974 e a intervenção em democracia
O 25 de Abril de 1974 veio criar um contexto de trabalho radicalmente mais favorável para o trabalho da APF, que é chamada a desenvolver dezenas de ações em todo o país, nos mais variados contextos – empresas, escolas, coletividades e associações culturais, comissões de moradores e associações de estudantes.
Fotografia © Henrique Matos
A APF participa, juntamente com as organizações ligadas aos direitos das mulheres, nos debates públicos sobre o direito à contraceção e sobre a questão da legalização do aborto.
Albino Aroso e a criação do Planeamento Familiar
Albino Aroso foi eleito presidente da APF em 28 de Outubro de 1975. Na altura, este fundador da APF era Secretário de Estado do VI Governo Provisório e é neste contexto, que, em conjunto com a DGS, publica em 24 de Março de 1976, a primeira legislação sobre planeamento familiar que determina a criação de consultas de planeamento familiar na valência de Saúde Materno-Infantil dos centros de saúde dispensários da DGS. Refletindo também esta ação pioneira, a própria Constituição da República aprovada em 1976 (Art.º 67º, Nº2, d) inclui o direito ao planeamento familiar.
Fotografia © Público, 2013
Uma nova matriz de intervenção para a APF
Na segunda metade da década de 1970, a APF continua a desenvolver um trabalho essencial em vários campos, sobretudo promovendo a educação da população e colaborando com os serviços de saúde, e especificamente com a Direção Geral da Saúde, na formação dos profissionais que foram essenciais na abertura das consultas previstas no despacho de1976. É neste novo papel de intervenção comunitária que, a par da continuação dos debates, a APF prossegue a construção da sua matriz específica de educação para os direitos junto da população jovem e adulta e, especificamente, junto de grupos mais vulneráveis tais como as populações em situação de pobreza, as populações migrantes, a população cigana ou os jovens institucionalizados.
O reconhecimento do trabalho da APF é manifestado também por entidades internacionais como o Fundo das Nações Unidas de Atividades de População (FNUAP) que, a partir de 1978, vai apoiar financeiramente os projetos comunitários da APF. Assim, no final da década, eram apoiadas pelo FNUAP em Portugal: a Direção Geral da Saúde (DGS), que promovia a formação dos profissionais de saúde e a organização das consultas de planeamento familias; o Instituto Nacional de Estatística (INE) que realizou o primeiro Inquérito Português à Fecundidade em 1980; a Comissão da Condição Feminina que promovia projetos de informação nos media, bem como estudos e projetos piloto na comunidade, e a APF que promovia atividade de informação e intervenção comunitária em Lisboa, Coimbra e Porto.
Em Setembro de 1978, é publicado o primeiro número da revista da APF “Planeamento Familiar” que ainda hoje se publica, com o título Saúde Reprodutiva, Sexualidade e Sociedade.
A década de 80
O direito dos jovens à contraceção e à educação sexual
Na década de 80, a APF é protagonista essencial na promoção dos direitos para os jovens, nas áreas do planeamento familiar e da educação sexual. Não só a APF coloca estes assuntos na agenda política, influencia o desencadear de debates públicos e parlamentares mas desenvolve, também, experiências inovadoras no sentido de transformar estes direitos em políticas públicas e de as mesmas serem efetivamente implementadas nos serviços de saúde e no sistema educativo.
Um parecer retrógrado
Se o direito dos casais à contraceção estava consagrado na Constituição e pelo despacho de Março de 1976, este direito estava indefinido no que respeita aos adolescentes.
No final de 1980, a Procuradoria-Geral da República emite um parecer, homologado pelo Governo em 05/01/1981, que postula que “na falta de autorização expressa dos pais ou representantes legais, deve ser negado aos menores não emancipados o acesso às consultas de planeamento familiar”. Este parecer é mandado aplicar pela DGS numa circular normativa.
No final dos anos 1970, Portugal teve o seu pico de maternidade em adolescentes, com taxas entre 51,2% em 1976 e 42,5%. O aumento da escolarização trazia para dentro das escolas a problemática da gravidez na adolescência o que levava muitos professores a colocarem a educação sexual dos jovens como uma necessidade urgente. Confrontados com um grande aumento das gravidezes e partos em adolescentes, muitos profissionais de saúde defendiam a necessidade de serem criados serviços específicos para jovens.
O debate sobre os direitos dos jovens
O parecer de 1981 é pois visto como uma medida que, segundo a Direção Nacional da APF em posição então tornada pública, “não serve os interesses da população, nomeadamente do grupo etário que pretende proteger”, defendendo-se que “é urgente revogar a circular normativa 15/81”.
É neste contexto que a APF promove um vasto debate público, o qual tem bastante eco na comunicação social.
Num colóquio realizado em 26/11/1981 sobre “O Direito dos Jovens à Contraceção”, a APF dá a palavra a médicos como Purificação Araújo, João Dória Nóbrega, Idália Correia, Daniel Sampaio e Nuno Miguel, à jurista Leonor Beleza, à enfermeira de saúde pública Helena Barroso, e aos jovens na pessoa do estudante Pedro Ferreira. No colóquio é unanimemente defendido o direito dos jovens às consultas de planeamento familiar, aos métodos contracetivos e à educação sexual nas escolas e exige-se a revogação da circular da DGS.
No seguimento do colóquio, a APF promove uma petição para que este tema seja discutido e legislado na Assembleia da República e forma uma “Comissão pelo Direito dos Jovens à Contraceção”. Em consequência deste debate público, sobe o número de pedidos à APF para ir às escolas falar com os jovens, com os professores e também com os encarregados de educação. A APF abre também, em Lisboa e em Coimbra, centros de atendimento para jovens.
O debate público e a lei 3/84
No final de 1983, e início de 1984, a Assembleia da República debate esta questão, no contexto de um debate mais amplo sobre a despenalização da IVG e o planeamento familiar e aprova três leis, respetivamente sobre Planeamento Familiar e Educação Sexual (Lei nº 3/84), Despenalização da IVG em algumas situações ( Lei nº 6/84) e Proteção à Maternidade ( Lei nº 4/84) as quais são publicadas em 24 de Março, exatamente 8 anos após o despacho de Albino Aroso.
A questão dos jovens está claramente contida na Lei 3/84, que defende o direito dos jovens e das famílias à educação sexual, e a responsabilidade do Estado em promover a educação sexual nas escolas e a respetiva formação de professores. A lei e a portaria que a regulamenta ( Portaria nº 52/85) garante também o acesso dos jovens às consultas de planeamento familiar sem qualquer limite etário. Está pois revogada a proibição do acesso de menores ao planeamento familiar.
A APF não tem uma intervenção aberta nestas leis. No entanto, dirigentes da APF como Albino Aroso ou Francisco Allen Gomes intervêm individualmente, como consultores, na elaboração das mesmas.
Promovendo os direitos pela intervenção social – educação sexual e serviços para jovens
No entanto, e à semelhança da forma como tinha agido em relação ao direito ao planeamento familiar, nas décadas de 1960 e 1970, a APF não se limita a suscitar o debate público, mas preocupa-se em debater tecnicamente a implementação destes direitos. Neste contexto, a APF vai promover em Abril de 1984, uma semana após a Lei nº 3/84, um seminário sobre Educação Sexual, que reúne em Lisboa mais de um milhar de participantes, a maioria professores de todos os pontos do país. E, a partir deste seminário, a APF entrega à Secretária de Estado da Educação, em Junho de 1984, a sua primeira proposta para a introdução da educação sexual nas escolas, proposta esta que integra os conteúdos e objetivos para cada nível de ensino, bem como sugestões sobre a organização das escolas para desenvolver esta nova missão.
Em 1984, a APF começa a realizar as primeiras ações de formação de professores em educação sexual. A temática da educação sexual nas escolas será desde 1984, e continua a ser hoje, um tema central de trabalho da APF na promoção dos direitos sexuais e reprodutivos, através da realização de ações de formação de professores, produção de materiais pedagógicos, trabalho com as associações de pais e com a CONFAP, realização de estudos e projetos experimentais e da apresentação de propostas concretas aos decisores políticos.
Em 1986, e no seguimento da organização dos centros de atendimento para jovens de 1982, a APF abre no Porto, em parceria com a ARS Porto, um dos primeiros centros de atendimento de jovens – CAJ, criando um modelo integrado de formação de profissionais de saúde e de funcionamento deste tipo de serviços específicos para jovens.
A década de 90 – SIDA, IVG e Educação Sexual nas escolas
Durante a década de 90, a APF continua a ter um forte envolvimento em diversos campos da defesa e promoção dos direitos humanos – direitos das pessoas seropositivas em HIV/SIDA, direitos das crianças e jovens à educação sexual e a proteção de abusos sexuais, direitos das pessoas portadoras de deficiência, direito à saúde e à dignidade das mulheres portuguesas. A APF é de novo pioneira em temas e frentes de trabalho a nível nacional internacional. O reconhecimento público do trabalho da APF é manifesto na sua integração em diversos fóruns e na obtenção da Ordem do Mérito. Trabalho alargado em rede com setores profissionais e políticos, estudo-proposta, intervenção comunitária, promoção do debate público, continuam a ser os pilares fundamentais do trabalho da APF na promoção dos direitos humanos.
O contexto global e nacional
A década de 90 foi marcada pelo desenvolvimento da luta contra a epidemia do VIH/SIDA e também pela realização da Conferência Internacional para a População e Desenvolvido – ICPD (Cairo, 1994) e pela Conferência Mundial sobre os Direitos da Mulher (Pequim, 1995).
Em 1995, a IPPF aprova em Manila a “Carta dos Direitos Sexuais e Reprodutivos” (com uma versão reduzida e adaptada em português), o primeiro documento que procura refletir os direitos humanos na esfera da vida sexual e reprodutiva.
A nível nacional, para além do impacto da SIDA, a não implementação da Lei nº 3/84 no tocante à educação sexual nas escolas, e a incapacidade de a Lei nº 6/84 sobre IVG fazer frente à realidade do aborto clandestino em Portugal, eram problemas não resolvidos na área da saúde sexual e reprodutiva e, consequentemente, foram temas importantes de intervenção cívica da APF.
Lutando contra a discriminação no VIH/SIDA
No campo da luta contra a SIDA e contra a discriminação das pessoas infetadas, a APF junta os seus esforços com uma dezena de outras ONG envolvidas nesta temática, entre as quais a Abraço, a SOL, a Liga Portuguesa Contra SIDA.
Fruto deste trabalho conjunto, em 1 de Dezembro de 1994, é divulgada a “Declaração dos Direitos das Pessoas com VIH/SIDA” subscrita por 12 ONG, um documento pioneiro em Portugal e essencial na luta contra a discriminação das pessoas seropositivas.
Educação sexual e políticas educativas
No âmbito da educação sexual, a APF participa ativamente em momentos importantes na definição das políticas educativas, nomeadamente na chamada “Reforma Roberto Carneiro”. Novamente entrega as suas propostas ao Ministério da Educação.
Em 1995, a APF propõe ao Programa de Promoção e Educação para a Saúde – PPES, um programa vertical do ME, a organização de um projeto experimental de educação sexual que demonstrasse a necessidade e a exequibilidade de um programa de educação sexual nas escolas e, por outro lado, a sua aceitação pelas comunidades educativas incluindo nelas, obviamente, as famílias.
Aceite esta proposta, o projeto, que integra também a Direção Geral da Saúde, decorre em 5 escolas do país – uma do 1º Ciclo (Gouveia), duas do 2º e 3º ciclos (Évora e Faro) e duas escolas secundárias (Setúbal e Maia). O projeto decorre de forma muito positiva e é objeto de uma avaliação externa que o confirma. A fase final deste projecto dedica-se à elaboração de um documento que visava apoiar a formulação de uma política concreta nesta área.
Este documento, com o título “Educação Sexual em Meio Escolar – Linhas Orientadoras”, que recolhe posteriormente os pareceres de cerca de 30 especialistas em Saúde, Educação e Psicologia da Infância e Adolescência, é publicado em Outubro de 2000, com as chancelas do Ministério da Educação, Ministério da Saúde, Associação para o Planeamento da Família e Rede Nacional de Escolas Promotoras da Saúde. Tratou-se do primeiro documento oficial contendo orientações nesta área educativa e de promoção da saúde.
Em 1998, a Secretaria de Estado da Juventude e APF celebram um protocolo para a abertura da “Sexualidade em Linha” uma linha telefónica de ajuda do IPJ, que funciona ininterruptamente desde essa altura e que tem dado resposta a dezenas de milhares de jovens.
Em Outubro de 2000, a APF e o Ministério da Educação celebram um protocolo para a promoção da educação sexual nas escolas que se mantém até 2007. Neste contexto, a APF forma milhares de professores e intervém, por todo o país, na maioria das escolas portuguesas.
De novo a questão da IVG
Na área da IVG, a APF vai dinamizar, a partir de Janeiro de 1991, com outras ONG, o MODAP – Movimento de Opinião para o Debate do Aborto em Portugal. Recusando um discurso meramente opinativo e ideológico, a APF e o MODAP vão promover diversos estudos sobre as questões da IVG. Realizando o primeiro levantamento da aplicação da Lei 6/84 nos hospitais portugueses. Estes estudos vão dar origem, em 1994, ao “Relatório sobre a situação da IVG” em Portugal, que é entregue à Presidência da República, Assembleia da República e aos ministros da Justiça e da Saúde.
Este movimento vai também influenciar a reabertura dos debates parlamentares em 1996/97 e 1998, bem como a realização do primeiro referendo sobre a questão da IVG, em Junho de 1998. A APF participa ativamente em todos estes debates e no referendo de 1998, apelando à despenalização do aborto a pedido da Mulher.
Sexualidade, deficiência e direitos e prevenção dos abusos sexuais
Dois outros temas mereceram a atenção e trabalho da APF: a questão dos direitos sexuais das pessoas portadoras de deficiência, e o problema dos abusos sexuais. No primeiro tema, a APF publica o livro “E nós? Somos diferentes?”, centrado na problemática da sexualidade nas pessoas portadoras de deficiência cognitiva, e desenvolve um trabalho alargado junto de profissionais que trabalham nas CERCI e outras instituições e junto de pais e mães. No final da década, em colaboração com a APPACDM de Setúbal, elabora e publica o programa de educação sexual “SER+”, também dedicado a estas populações.
Quanto ao problema dos abusos sexuais, a APF organizou um grupo de trabalho que integra diversos departamentos governamentais e ONG, que realiza, em Maio de 1997, o seminário “Abusos Sexuais em Crianças e Adolescentes”, com o patrocínio da Presidência da República, e cujas atas foram posteriormente publicadas e divulgadas.
O pós ICPD
Finalmente, integrando os movimentos “pós Cairo”, a APF vai organizar, em 1999, a sua primeira conferência sobre temas internacionais, e convidar diversos deputados de todos os partidos com assento na AR, a integrarem visitas e eventos internacionais sobre as temáticas da população e desenvolvimento. A primeira visita de estudo com parlamentares, vai acontecer em São Tomé, em Julho de 1999. Mais tarde, estes deputados irão organizar-se no Grupo Parlamentar Português de População e Desenvolvimento, cujo secretariado foi assegurado pela APF até 2013.
Por outro lado, e no âmbito da campanha internacional “Face to Face”, a APF vai, em nome do UNFPA, convidar Catarina Furtado para Embaixadora de Boa Vontade do UNFPA.
O reconhecimento público da APF
A APF passa a integrar o Conselho Consultivo da CIDM e o Conselho Nacional das Famílias.
Em 5 de Outubro de 1998, a APF recebe do Senhor Presidente da República, a Medalha da Ordem do Mérito.
Novo milénio, velhos problemas e novos desafios
No início do novo milénio, e na área designada por Direitos e Saúde Sexual e Reprodutiva, a situação vivida a nível nacional e internacional, era marcada pela existência de progressos efetivamente alcançados, e pela persistência de velhos problemas.
Os objetivos de desenvolvimento do milénio
A nível mundial, se a Conferência do Cairo, em 1994, tinha sido um marco internacional estabelecido pela esmagadora maioria dos países do planeta, na defesa dos direitos reprodutivos das mulheres e dos jovens, a sua concretização revelava-se difícil, e os financiamentos prometidos ficaram muito aquém dos compromissos assumidos. Sobretudo nos países mais pobres, o acesso aos cuidados de saúde sexual e reprodutiva era e continua a ser muito limitado. As mortes maternas situavam-se, segundo a UNFPA, em 500 mil, sendo uma parte significativa devida aos abortos inseguros. A SIDA, era e continua a ser uma epidemia devastadora, sobretudo na África subsaariana. Em 2000, a ONU aprovava um novo documento, os chamados Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, como estratégia de combate à pobreza, à desigualdade e de promoção do desenvolvimento. Neste contexto, umas das áreas e intervenção pública da APF foi a do envolvimento do Estado Português nos compromissos internacionalmente assumidos.
Neste campo, a APF continuou a desenvolver um trabalho regular de parceria com o Grupo Parlamentar Português de População e Desenvolvimento, promovendo regularmente eventos na Assembleia da República, e convidando os deputadas e deputadas a integrarem diversas visitas de estudo aos PALOPs – Moçambique em 2001, Angola em 2003, Guiné Bissau em 2009 e Cabo Verde em 2012 – e outros países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina.
Por outro lado, promove diversos projetos de educação para o desenvolvimento em torno da mesma temática – ODM e Direitos Sexuais e Reprodutivos – tais como o projeto “Rosa” (2008) e o projeto “Roteiro 3456” em 2011.
A APF trabalha também no sentido de incluir, nos documentos orientadores da Cooperação Portuguesa, os temas da Saúde Sexual e Reprodutiva. E o facto de se manterem, na agenda política, estas temáticas estará, seguramente, na base do maior envolvimento do Estado Português na ajuda internacional, nomeadamente no aumento da contribuição financeira para o UNFPA, o organismo da ONU ligado à promoção da SSR.
Os direitos dos grupos mais vulneráveis
A nível nacional, e com a divulgação dos dados do 2º Inquérito à Fecundidade e à Família, Portugal demonstrava bons indicadores de saúde materna e infantil. Segundo este, 87% da população em idade fértil e que necessitava de contraceção, usava-a efetivamente. O país estava no pelotão da frente em termos de indicadores de mortalidade infantil. No entanto, as instituições e profissionais sabiam que era desigual o acesso aos cuidados de saúde e mesmo à informação, sobretudo em grupos mais vulneráveis como as populações em situação de pobreza ou de exclusão, nomeadamente as comunidades migrantes e as pessoas envolvidas no trabalho sexual.
Destacou-se então a prioridades ao trabalho junto dos grupos vulneráveis sendo que, nestes anos, a APF tem desenvolvido um conjunto de projetos e serviços junto de populações em situação de vulnerabilidade.
São os casos dos projetos:
- Dirigidos a pessoas envolvidas em prostituição e trabalho sexual, como serviços como o Espaço Pessoa, no centro histórico do Porto e, posteriormente, os projetos de prevenção e rastreio do VIH/SIDA no Alentejo, Algarve, Lisboa;
- De intervenção junto de mães adolescentes na região do Alentejo (“Mamãs de palmo e meio”) e Lisboa (“Traços Marvila” e “Traços Casal de Cambra”);
- Com comunidades migrantes em Lisboa (“A Leste” e “Passaporte Imigrante”) e Algarve (“Planeamento Familiar para minorias étnicas”) e os projetos “Create Youth Network” e “Replace”, com a comunidade guineense, no tema da Mutilação Genital Feminina;
- De intervenção com a comunidade cigana na Biquinha (Matosinhos);
- O Projeto “3Rs”, no centro histórico do Porto, dirigido a toxicodependentes e pessoas sem abrigo.
A questão do aborto e o referendo de 2007
Nos primeiros anos do milénio, Portugal foi também negativamente conhecido, a nível internacional, por diversos julgamentos de mulheres acusadas de terem recorrido ao aborto ilegal e inseguro, uma prática recorrente, alargada e, em geral, tolerada. Como vimos, a existência deste problema, e a questão da despenalização e/ou legalização do aborto, ou IG – interrupção de gravidez foi um dos debates recorrentes depois do 25 de Abril de 1974.
Envolvida há muito neste tema, a APF vai de novo ter um papel importante no estudo e no debate público do problema. Em 2006, a APF fez um estudo pioneiro sobre as práticas do aborto em Portugal, com a realização de um inquérito a uma amostra representativa de mais de 2000 mulheres em todo o país. Na véspera do referendo de 2007, os dados deste estudo intitulado “A Situação do Aborto em Portugal – Práticas, Contextos e Problemas” serão essenciais para a definição dos contornos das práticas de aborto em Portugal, e para a prevenção das gravidezes não desejadas que lhe estão na base. O estudo é também um contributo essencial para o nacional que precedeu o referendo.
A APF esteve envolvida dos diversos movimentos de cidadania que foram formados no contexto do referendo de 2007, defendendo o SIM, posição que veio a vencer, contribuindo, na nossa opinião, para a defesa da saúde da dignidade das mulheres portuguesas, e para a própria transparência da democracia portuguesa.
A educação sexual nas escolas
Nas escolas, e apesar de algumas mudanças, e de novos instrumentos legislativos – a Lei 120/99 e o DL 259/2000 – continuava a não existir uma política clara de educação sexual.
Entre 2000 e 2007 a APF desenvolve uma vasta atividade nas escolas portuguesas, no contexto do protocolo celebrado com o Ministério da Educação. Em 2009, a APF participa ativamente nos debates havidos na Assembleia da República e que deram origem à aprovação da Lei nº 60/2009. Consideramos que, também aqui, a APF teve um papel essencial nestas mudanças, ao manter sempre vivo o debate sobre a implementação da educação sexual nas escolas.
Em 2012, já depois da aprovação da lei, a APF produziu, testou e entregou ao ME, um instrumento de avaliação da educação sexual nas escolas, o qual foi tido em conta na organização do estudo nacional sobre a implementação da Lei nº 60/2009, cujos dados foram apresentados pelo ME em Junho de 2014.
As questões da Mutilação Genital Feminina (MGF) e do Tráfico de Seres Humanos (TSH)
Estes dois problemas têm naturezas e contornos totalmente diferentes, mas têm em comum o facto de estarem fortemente associados aos processos de globalização típicos das sociedades humanas contemporâneas e que se têm acentuado também na sociedade portuguesa dos últimos anos.
Ambos constituem violações muito graves dos direitos humanos, e especificamente dos direitos sexuais e reprodutivos, sobretudo das mulheres. Ambos constituíram por isso temas de intervenção da APF nos últimos anos.
Em relação à MGF, a APF foi pioneira na sua abordagem pública, desde o início do novo milénio, a qual esteve relacionada com a constituição do Grupo Intersectorial sobre MGF (que a APF integra desde a sua fundação em 2008), e com a elaboração e implementação dos sucessivos Programas Nacionais para a Eliminação da MGF.
Para além da pertença a este grupo, atualmente, como foi referido, a APF está a promover diversos projetos de prevenção e combate à MGF e outras práticas tradicionais nefastas, trabalhando diretamente com as comunidades em risco, nomeadamente com a comunidade guineense.
Em relação ao combate ao Tráfico de Seres Humanos, a APF iniciou as suas atividades a partir da intervenção do Espaço Pessoa no Porto que, ao intervir no problema do trabalho sexual, acabou por enfrentar o problema do TSH.
Em 2008 foi celebrado entre a APF e diversas estruturas governamentais, um protocolo para a abertura de uma Casa de Abrigo e Proteção para mulheres vítimas de TSH, que funciona desde essa altura.
Em 2013, a APF e a Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e Igualdade assinaram um novo protocolo que permitiu a continuidade das EMES – Equipas Multidisciplinares Especializadas na Assistência a Vítimas de Tráfico, que têm estado envolvidas no terreno no apoio a vítimas, formação dos profissionais das OPC e promoção de ações de sensibilização públicas.
A APF integra a Rede Nacional de Apoio e Proteção das Vítimas de Tráfico de Seres Humanos e é uma das duas ONG que integram a sua Comissão de Acompanhamento.